Descobri que sou pobre. Assim, como uma bofetada na cara, dou por mim a fazer contas à vida, a escolher o que menos me custa abdicar porque o dinheiro não chega para tudo. Sempre pensei que fosse rica ou que um dia o serei realmente. Agarro-me a essa esperança com unhas e dentes e passeio-me com um recorte de folhetim imobiliário com a fotografia da minha casa de sonho. Nessa casa com quintal haveria de enxotar os miúdos e o cão lá para fora ao fim da tarde e triturar a sopa no meu robot de cozinha último modelo de design retro enquanto bebo um gin tónico num copo de cristal atlantis e não vidro barato ikea. Menos mal, ninguém passa necessidades cá em casa, muito menos o cão. Ao meu lado repousa um saco com roupa para o Outro Biscoito que a minha mãe deixou. Roupa nova que a minha mãe trocou pelos sapatos que eu comprei e que não lhe serviam. Um balúrdio custaram-me aqueles sapatos num final de mês comprido demais. Depois há destas coisas, aniversários especiais com presentes a sério e a ideia de uma ida a Paris num fim de semana. Estranho-me. Não sei se deva, não fui habituada a isto de ir de viajem e os miúdos com as calças tão curtas. Por outro lado, que mal tem, os miúdos crescem e a viajem está mesmo ali à minha espera. Aproveito e compro as lembranças de Natal para toda a gente, tudo corrido a caixas de bolachas do Maxim's e da Fauchon, muito chique, irrepreensível bom-gosto, nem se esperava outra coisa. Divido-me. Não sei o que faça.
Durante toda a semana só me apeteceu desfazer o telefone na cara dos franceses. Não que tenha nada contra os franceses, muito pelo contrário, que seria de nós sem os irredutíveis gauleses. Mas é que assim ao telefone, as vozes das mulheres ficam mais irritantes com aquele tonzinho agudo no final das palavras e os meus ouvidos estreitam-se um pouco mais.
Durante toda a semana só me apeteceu desfazer o telefone na cara dos franceses. Não que tenha nada contra os franceses, muito pelo contrário, que seria de nós sem os irredutíveis gauleses. Mas é que assim ao telefone, as vozes das mulheres ficam mais irritantes com aquele tonzinho agudo no final das palavras e os meus ouvidos estreitam-se um pouco mais.
Descobri que estou a ficar surda, nada de anormal, mais do esquerdo que do direito, deve ser do telemóvel. Não, não é, só pode ser da janela do carro sempre aberta, as correntes de ar e a natação da adolescência. Nada disso me impede de fazer o meu trabalho, rebolar os olhos e suspirar por não estar autorizada a contar-lhes que as facturas não vão ser pagas a tempo porque a empresa pode dar-se ao luxo de só o fazer quando lhe der jeito. Dou por mim a pensar se atender tantas reclamações em tantas línguas todos os dias me estará a fazer bem. Ando nervosa, irrequieta, volta e meia emociono-me e não consigo evitar uma fungadela discreta. Paguem a merda das facturas e deixem-me em paz! digo eu mentalmente esperando que as minhas preces sejam ouvidas.
Amanhã é sábado, natação. Talvez consiga ensurdecer de vez com os salpicos da àgua.
Amanhã é sábado, natação. Talvez consiga ensurdecer de vez com os salpicos da àgua.
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