16/06/2010

2!



Há precisamente dois anos atrás, a minha mãe insistiu em ir comigo à última consulta antes da data de parto prevista. Lembro-me nitidamente de, ao passar pelos portões do hospital, sentir um calor entre as pernas, como se estivesse a deixar escapar algum tipo de fluxo energético. Disse à minha mãe, ocupada a tentar encontrar um lugar para estacionar o mais perto possível da porta, pois a minha barriga era enorme e eu tinha sérias dificuldades em andar mais de vinte metros sem começar a ficar com dores, "Acho que as àguas rebentaram". Assim que entrámos no hospital, as minhas calças estavam completamente encharcadas. Eu coxeava um pouco de tão grande o esforço de percorrer aqueles corredores intermináveis. "Acho que já não vamos à consulta, disse eu num riso nervoso, "vamos é directamente para as urgências de ginecologia, porque o miúdo vai mesmo nascer hoje." A minha mãe ficou nervosíssima, não fosse eu dar à luz ali mesmo.
A primeira experiência tinha sido um pouco traumatizante para todos, pois o Biscoito nasceu com uma facilidade estrondosa, de tal maneira que nem eu nem a médica obstetra estávamos ainda na sala de partos e as enfermeiras tiveram de fazer uma corrida para eu não parir no corredor. Quando o Biscoito nasceu, estava o pai a entrar pela porta dentro.
Vimo-nos então obrigadas a coxear (eu) até à outra ponta do edifício. Não conseguindo acompanhar-me no meu passo hesitante, tal a espectativa, a minha mãe tinha de voltar várias vezes atrás com muitos "estás bem?". Chegadas (finalmente) às urgências de ginecologia, eu e muitas outras grávidas, algumas das quais reconheci da sala de espera das consultas de saúde materna, mais os maridos, mães e alguns filhos, lutávamos mais ou menos silenciosamente contra as dores das contrações e o desconforto dos bancos de madeira. Ao longe, por trás de um biombo improvisado que dividia o corredor transformado em sala de espera, ouvíamos gritos absolutamente arrepiantes. Mulheres com dores. Com dores muito fortes. Passos rápidos e o tilintar metálico dos instrumentos médicos. Eu ali, sem dores, cheia de fome e desconfortável com as calças empapadas numa àgua morna, esperava. Passado um tempo que me pareceu imenso, chamaram-me e deram-me uma bata e uns chinelos para eu me trocar. Muitas medições de ritmos cardíacos e outros procediementos obstetrícios depois, vi-me a ser conduzida numa cadeira de rodas por uma auxiliar adepta de carrinhos de choque por mais portas e corredores até chegar à porta da ala de partos. "A partir daqui só quem vai acompanhar a mãe é que pode entrar." e largou-me ali depois de tocar à campainha. Eu e a minha mãe olhámos incrédulas uma para a outra, eu pensei pronto, é aqui que nos separamos, talvez corra tudo bem, talvez corra tudo mal e a última imagem que a minha mãe vai ter de mim sou eu enorme, numa bata de florinhas amarelas e chinelos de hospital, sentada numa cadeira de rodas com um saco verde ao colo com todos os meus pertences dentro. Disse-lhe a sorrir que tudo ía correr bem, ela que não se preocupasse, que fosse para casa descansada. Já sozinha e instalada na cama, lembro-me de rezar para o Ricardo chegar depressa. Quando ele finalmente chegou à hora de almoço, eu já estava com bastantes dores. Soprava, torcia-me e mordia o lábio, mas tal como da primeira vez, nem um ai. Tive duas companheiras de parto, todas elas muito simpáticas e educadas dadas as circunstâncias, todas elas já na segunda ou terceira criança. Nenhuma se descontrolou por aí além, a enfermeira vinha e levava-as e passado poucos minutos ouvia-se um choro de recém-nascido numa sala ao fundo. Passei horas a olhar para a janela e para o céu azul, concentrando-me em ouvir os carros a passar em direcção ao parque de estacionamento, as  vozes das pessoas a passar no jardim. Volta e meia agitava o leque, que nos últimos tempo se tornara acessório obrigatório para mim, uma grávida inchada e cheia de afrontamentos, mais para aliviar uma contração do que por calor. O Ricardo via um futebol qualquer no telemóvel, trocava mensagens freneticamente com o mundo inteiro e fazia-me rir. Sobretudo, fazia-me rir. Eu sentia a cabeça do Outro Biscoito a descer e alojar-se cada vez mais fundo, sentia os músculos a esticar e os ossos a afastarem-se, a barriga retesava-se cada vez mais por cada vez mais longos períodos de tempo numa onda de dor. O sofrimento prazenteiro de quem vai dar à luz. Subitamente, uma papa translúcida escoou pelas minhas pernas e mais àgua, muita àgua morna a inundar os lençóis e a empapar tudo. O Outro Biscoito estava a nascer. As contrações eram muito mais fortes do que no primeiro parto e eu chorava baixinho e chamava pelo Ricardo que tinha ido não sei onde e se demorava. A epidural veio a tempo de eu me aguentar sem gemer. Faço ponto de honra de não soltar sequer um suspiro em nenhum dos partos dos meus filhos. Estas dores devem aguentar-se sem estardalhaços. Quando o Ricardo chegou eu fiquei feliz. Recordo-me distintamente desse sentimento, felicidade. Esperámos mais uma hora ou algo assim, até que o meu corpo começou a empurrar o bebé que tinha lá dentro. Suavemente mas com uma eficiência espantosa, todos os músculos do meu corpo acompanhavam o bebé pequenino que queria nascer. Mais uma vez tivémos de chamar a enfermeira depressa e, mais uma vez, esta não acreditou "Oh, não está nada, que disaparate, é só impressão". Olhe que não é, disse eu, ele está com a cabeça a aparecer que eu sinto. E lá fomos nós em velocidade ultra-sónica para a sala de partos, onde o Outro Biscoito nasceu em menos de um minuto. Senti tudo, sem dor, sem stress. O meu filho nasceu e a primeira coisa que lhe vi foi um pé. O Ricardo estava absolutamente feliz. O bebé tinha mesmo cara de Pedro e Pedro ficou.
Hoje faz dois anos.
Parabéns, meu Biscoitinho!

07/06/2010

Fim de semana grande

Muito sol, vento e calor.
Vej-te ensinar o Outro Biscoito a bater os pés enquanto o Biscoito chapinha ruidosamente na àgua. Estamos felizes. Os dias correm calmamente com uma única preocupação: o que é o jantar?
À noite enrolamo-nos na manta e ficamos deitados a contar as estrelas. Adormecemos ao som das ondas a bater na falésia com a certeza de o amanhã ser tão perfeito como o dia que passou.

Adoro-te.