14/11/2015

Paris, Paris

Vês, mãe, tu que detestas refugiados, vês? É disto que eles fogem.
Estou agora a ler o Le Monde e aperta-se-me o coração ao ler esta notícia, que horror, já viste, parece o 11 de Setembro aqui tão perto. Imagina lá tu, nunca pensámos que isto fosse suceder neste continente tão democrático, a guerra contra o terrorismo era invenção americana, sabíamos lá.
Percebes agora porque é que aquelas pessoas se arriscam num barco de borracha? Percebes agora porque é que há tantos e são cada vez mais? Consegue o teu coração deixar entrar um pouco de emoção por esta gente desesperada? Consegues ao menos deixar de criticar os que tentam fazer alguma coisa para amenizar o sofrimento desta gente?
Nunca pensaste que um dia pudesses ser tu a sentir na pele o medo das bombas, pois não? As últimas guerras que viste foram lá de longe, do outro lado do ecrã, uma imagem distante que confundias com um filme de Hollywood cheio de efeitos especiais. Quando as torres gémeas caíram, ainda pensaste que havia um oceano inteiro a separar-nos do terrorismo. Mas e quando foi em Madrid? E quando foi em Londres? E agora, este, assim de repente, tanta gente a fugir de outra gente armada até aos dentes, fuzilamentos a sangue frio filmados em directo por alguém que ía só a passar?
Ainda detestas refugiados?
Começará a passar-te pela cabeça a ideia de que um dia poderás ser tu? Sim, que por este andar, o melhor é começares a juntar dinheiro, porque vais precisar dele para pagar inflacionadas as passagens para bem longe. E já pensaste na tua família? Não seria bom ter alguém do outro lado, mesmo um perfeito desconhecido, que te desse as boas vindas à segurança, te estendesse roupa, comida, uma palavra de alento, te ajudasse a não desistir até encontrares outro lugar para viver? Já te imaginaste a refazer a tua vida inteira num sítio estranho, numa língua estranha, sem equivalências, sem conhecer ninguém? Um dia podes ser tu, posso ser eu, podemos ser nós.

28/09/2015

2015, o ano de todas as perdas

2015 fica na minha memória como o ano de todas as perdas.
Foi o ano em que o meu filho se perdeu, para logo ser encontrado são e salvo. Foi o nosso pequeno milagre de Natal.
Outro filho que quase se perdia e foi resgatado por uma vontade fenomenal. Um filho que se deu bem e que continua bem.
Um filho que não o chegou a ser, que perdemos os dois.
A avó mais querida que nos deixou. Que me deixou, com a sua bênção e a tristeza imensa de nunca mais me ver. Diz que um passarinho vinha pousar no seu peito ao dia em que adormeceu para sempre.
Foi também o ano em que eu cresci.


11/05/2015

A minha mãe cheira a...

Enquanto as outras mães cheiram como as mães devem cheirar, a morango, a perfume, a creme e a flores, eu devo ser uma coisa fantástica, porque o Novo Biscoito acha que eu cheiro a arco-íris!

17/04/2015

Sinestesia ou o mundo a cores

Já há algum tempo, escrevi sobre como os números me aparecem ordenados numa espécie de roda oval que paira no ar, onde cada algarismo, cada qual da sua cor específica, surge aumentado e em primeiro plano sempre que é mencionado. Julgo que também descrevi a forma como faço cálculos, onde os tais algarismos coloridos surgem num plano tridimensional, como se fossem palpáveis. Escrevi esse post (que agora não encontro) porque descobri através de uma notícia no jornal, que essa visualização não era habitual, mas não era rara. Sempre pensei que fosse assim com toda a gente. Afinal, se cada letra tem uma cor específica, pois claro que cada nota musical também.
Escrevo agora, porque parece que há mais pessoas no mundo que vêm cores quando escutam música, e que mais uma vez, isso não é a norma, mas não é raro.
Quem me dera ter sabido mais cedo para ter tido esta ideia! Quem me dera conseguir mostrar aos outros como é colorido o meu mundo cada vez que alguém fala ou toca algum instrumento!
Já agora, o trompete é amarelo e o meu nome é um arco-íris:

Filipa Azevedo

31/03/2015

Traquinices

O novo Biscoito está a atravessar uma fase muito criativa.
Depois do "aquele homem é gordo!" bem alto e a apontar nitidamente para a corpulenta criatura, para ele, todo o mundo que o rodeia agora é totó ou é pum.
Ultimamente, um diálogo típico com o N.B. costuma ser assim:

- Joãozinho, onde vais?
- Pum!
-Vais onde?
- Dar um pum!
- Onde está o teu irmão?
- O mano é totó! Tu és totó!
- Ai, João, pára com isso!
- Totó! Totó!
- Calça mas é os sapatos, rapaz, está quieto!.
- O sapato é pum, eu tenho um pum! Pum! Pum!

E é isto o dia todo e a toda a hora. Já não há paciência, não sei  o que faça e já nem sequer me lembro de quanto tempo costumam durar estas fazes idiotas que levam qualquer familiar à loucura. Mas não deixa de ser absolutamente adorável a cara dele quando diz pum, tão feliz com a traquinice que até brilha!
É melhor deixá-lo e esperar que passe.



08/03/2015

Acerca do dia mundial da mulher.


    Pessoalmente, não me incluo nas celebrações deste dia. Não preciso.
    Não fui privada de educação pelos meus pais, nem eles me obrigaram a trabalhar quando eu era apenas uma menina. Pelo contrário, sempre disseram que estudar era a minha obrigação e que  o meu trabalho era estudar.
    Não fui privada de assistência médica, nem de nada que eu precisasse.         Aliás, o meu pai sempre disse que eu teria sempre tudo o que eu precisasse, mas para ter o que eu quisesse, teria de  trabalhar para isso.
    Não fui casada com homem nenhum contra a minha vontade. Antes, casei com o homem que eu escolhi, quando eu assim determinei.
    Tive os filhos que eu quis, quando os quis, todo o acesso a métodos contraceptivos e toda a informaçao que eu precisasse para fazer as minhas escolhas de forma autónoma e esclarecida.
    Sempre votei em quem eu achei melhor, sem que ninguém me impedisse nem tentasse saber em quem eu voto. As vésperas de eleição são, aliás, dias muito debatidos e acesos cá por casa.
    Tive azar nos empregos e fui preterida por ser mulher e por ser mãe. Mas mesmo aí, tive todo o apoio familiar e sindical. Tive, sobretudo, o apoio do meu marido para poder escolher ser o que eu quisesse.
    Hoje, sou o que eu quero ser e tenho sonhos para ser mais e melhor. O meu marido acha optimo e ajuda-me. Imenso.
    Por isso, o dia internacional da mulher não é para mim. É pena que não seja assim para todas as mulheres do mundo. É pena que ainda seja necessário um dia especial no ano para nos lembrarmos disso.


29/01/2015

Um mês e duas exposições

Neste vale de lágrimas e 7 mil milhões de outros são as duas exposições que visitei este mês e que eu não vou esquecer tão cedo.
São duas visões do mundo e da vida situadas em pólos diâmetralmente opostos do expectro emocional.
Num, como se vivia e o que se esperava da I Guerra Mundial. Noutro, aquilo que cada um de nós pensa e espera desta vida e deste mundo.

No Portugal de 1917, 18 e 19, hordas de rapazes descalços e iletrados, com fome de comida e de outros lugares melhores, eram despejados em França para defenderem o status quo da sua pátria amada na guerra que iria acabar com todas as guerras.  Enquanto isso, as mães e as mulheres ficavam em casa a continuar a sua vida por vezes miserável e a encher a barriga dos filhos de rosários e de fé no Paraíso.
Nas trincheiras, os meninos de sua mãe morriam de balas e de difteria. Os que conseguiam voltar, vinham mudados, com a inocência completamente perdida. Restava-lhes a fé e a preocupação de ter o suficiente para dar aos filhos. Deus provém, diziam, nesse amanhã incerto, Deus dará e aos meus filhos nada faltará. Isso se não morressem de bechigas nem de tuberculose antes da adolescência.

Noutro tempo e em todo o lado, a mesma preocupação, a de ter o suficiente para dar aos filhos, a de os manter vivos e ensinar-lhes tudo o que se puder para eles serem sempre melhores que nós aqui, hoje. O nosso passado e as nossas histórias, os medos, os traumas, mas sobretudo as nossas alegrias e a nossa fé inabalável num Amanhã melhor. A certeza da nossa própria importância na construção do nosso futuro.

Saí de cada uma delas a pensar exatamente que é obrigação minha a de ser eu própria e a de criar os meus filhos para serem bons. De lhes dar todas as condições para ser pessoas independentes que possam escolher aquilo que pensam ser o melhor para eles e para as suas famílias.
Deus provém, Deus dará. Amanhã será melhor.