19/07/2016

Porque reviro eu os olhos de cada vez que alguém repara que estou grávida (do meu 4º filho rapaz)

Isto de estar grávida tem o seu quê de surrealidade.
Estava a escrever à pouco acerca dos conselhos não solicitados de que todas as grávidas são alvo e lembrei-me que também sou constantemente bombardeada com perguntas escabrosas, até indecentes, que nunca de nenhuma maneira alguém se permitiria fazer caso eu estivesse no meu estado normal.
As perguntas não variam muito de pessoa para pessoa, sendo que algumas até aproveitam para contar a história das suas próprias gravidezes (que eu não quero saber), dos seu próprios partos (ooops, demasiada informação), ou dar informações detalhadas sobre como fazer meninas, perder o peso ganho ou qual o métodos contracetivo mais eficaz no mercado.
Poucas pessoas se preocupam realmente com aquilo que eu penso ou estou a passar - e com este calor, estou a passar horrores! As outras, normalmente desconhecidos que se atravessam no nosso caminho e se sentem à vontade para nos interromper o passo e apalpar a barriga, interessam-se sobretudo pela sua própria opinião da minha família ou vida sexual. Pois.
Destacam-se as mais frequentes:

- Isso é das hormonas...
Disse-me várias vezes o meu pai, que é um bruto insensível, o meu marido, que já estava pelos cabelos mas que percebeu rapidamente que não deveria repetir o comentário nunca mais, bem como um cidadão na fila do supermercado. Esse cidadão iluminado achou que eu não tinha razão nenhuma por estar a refilar (educadamente mas a bom som) que a menina da caixa reservada a deficientes físicos, grávidas e acompanhantes de crianças de colo me devia deixar passar à frente das pessoas que lá estavam e que não era nem uma coisa nem outra. Felizmente o bom senso passou a lei, mas não me livro dos comentários "No meu tempo não era assim". Temos pena, no meu já é.

- Que barriga tão grande! É normal?
É sim, é perfeitamente normal. Eu sei, o médico de família sabe, o obstetra sabe, o pediatra sabe, a minha família sabe, por isso não estou minimamente preocupada com o seu tamanho. Isto é o normal para mim, e conheço mulheres com barrigas de todos os tamanhos e feitios que tiveram filhos perfeitamente normais, também eles de todos os tamanhos e feitios. O tamanho da barriga não quer dizer absolutamente nada sobre o tamanho do bebé. Por isso, chiu e acabou aqui a conversa.

- Tem a certeza que não são gémeos?
Tenho a certeza absoluta, minha senhora, acredite em mim, o médico viu várias vezes e é só um, a nadar alegremente na sua bolsa de líquido amniótico.

- Quatro filhos? Que horror!
Olhe que eu não acho. Apesar de ninguém ter nada a ver com isso, aqui para nós, a verdade é que um era impensável, dois pareceu pouco, três não estava a resultar e tenho a certeza de que quatro é que é. Assim, um número redondo, bem cheio, que é como se quer a casa e a mesa do jantar.

- Foram todos planeados?
Lamento, mas não é da sua conta, minha senhora. 

- Todos rapazes? Que horror!
A sério?! Horror é querer e não poder, minha senhora, que isto aqui está tudo como Deus quer e haja saúde. 

- Preferia menino ou menina?
Preferia um filho perfeitamente saudável, e quer-me parecer que vou conseguir outra vez. Diga lá se não são boas notícias, heim?

- Ah, eu quando soube que ía ter um rapaz, chorei.
Eu também, mas foi de felicidade. Lá está, um filho perfeitamente saudável, bem formado e com os dedos todos. É outro rapaz? Melhor ainda, não tenho de me preocupar com montes de coisas que me preocuparia se fosse menina. Assim como assim, já estou habituada a lidar com homens e é mais um para o molho.

- Os rapazes adoram as mães.
E eu e o pai adoramo-los a eles. 

- É a rainha da casa.
Esta parte-me toda, acho este comentário o máximo dos máximos. Eu até uso coroa e vestido de gala quando estou a limpar xixi do assento da sanita e a tirar a roupa infecta da ginástica e restos de sanduíches em avançado estado de decomposição das mochilas da escola.

- Estava a tentar a menina?
Esta perguntam-me logo desde o princípio. Até vejo o desconsolo no olhar das pessoas quando respondo que não, nem por isso, só queria um filho saudável. Esta pergunta, por si só, não me incomoda muito, não fosse o ser habitualmente seguida do:

- Ainda vai tentar a menina? Tem de tentar a princesa!
Só de pensar em ficar outra vez grávida, até fico mal disposta! Não me parece, acho que já chega, tenha-a você. Estou a ficar velha e não gosto mesmo nada de estar grávida. Além do mais, o dinheiro não estica assim tanto para ter agora um quinto filho, ainda para mais uma princesa. Já viu o orçamento só para o guarda-roupa de princesa, cheio de folhinhos e brilhantes? E quando fosse adolescente? Enquanto os rapazes se vestem de t-shirts e polares que partilham mais ou menos alegremente uns com os outros, como é que seria com a princesa? Ah pois, que eu tenho bom gosto e não ía querer que a minha filha andasse por aí a ser confundida com uma pelintra, já viu? 

- Eu sei como conseguir a menina, quer que eu lhe ensine?
Não, obrigada! Lalalalalala não estou a ouvir! Não estou a ouvir! Isso não é manipulação genética? Será ético? Não é suposto ser surpresa? De qualquer maneira, já vem tarde.

- O seu marido não ficou triste?
Não sei, acho que não. Pergunte-lhe. Preferia que ele tivesse tido um desgosto de todo o tamanho e nunca mais ter recuperado? Sabe que o sexo masculino é determinado pelo cromossoma Y, o do pai, não sabe? O bebé é perfeitamente saudável, o que há para ficar triste? Estúpida.

Mas a pior pergunta de todas, quando eu me atrevo a queixar-me de qualquer coisa em voz alta, vem da família e dos amigos mais próximos, os tais que fazem as perguntas mais indiscretas, mas que eu não me importo. Vem mais em jeito de reprimenda, descompostura, de exclamação de espanto por me estar a lamentar: 
- Quem te mandou ter tantos filhos?
Esta até dói. A verdade é que esta frase, dita pelas pessoas que nos são mais próximas, é como uma punhalada no coração. Porque nunca é  de gozo, é de censura. E custa muito a engolir. Ninguém mandou, fui eu que quis e teria todos outra vez. Mas lá por ter "tantos filhos", quer isso dizer que não tenho direito a queixar-me da vida? Que não tenho direito a queixar-me de que estou cansada ou a precisar de um tempo livre? A queixar-me de qualquer coisa que gostaria de fazer mas não consigo por ter tantos filhos ou estar outra vez grávida? Quer isso dizer que só as pessoas que têm um ou dois filhos é que têm direito a queixar-se? A sério? Isso é maldade. Tenham vergonha e tento na língua. Eu agradeço.

Pérolas da opinião alheia e o que eu faço com elas

Estar grávida é absolutamente extraordinário. Não só do ponto de vista biológico, que é por si só assombroso, mas sobretudo do ponto de vista antropológico e, sobretudo, social. Por extraordinário, não quero obrigatoriamente dizer que seja bom, simplesmente que é uma situação fora do normal, pontual e, lá está, extraordinária.
Passar grávida na rua é o mesmo que ter um sinal luminoso a pairar por cima da cabeça. É impossível passar despercebida, pelo menos eu e a minha barriga gigante. É inevitável sentirmo-nos atingidas por olhares escrutinadores de ambos os sexos, muito embora os homens sejam mais discretos do que quando fingem não olhar para o decote de uma mulher que não esteja grávida. Por respeito, suponho, à memória latente das suas próprias mãezinhas.
Tal como é impossível escapar aos tais olhares escrutinadores, é também inevitável sermos agraciadas com o pensamento que o acompanha, dito em voz alta, sem qualquer filtro ou pudor, mesmo que nunca tenhamos visto a pessoa na vida. Esses pensamentos partilhados por estranhos podem ser de vários tipos, consoante a disposição e personalidade da pessoa por quem nos cruzamos. Pode ser um conselho prático, o qual iremos agradecer mentalmente mais tarde quando percebermos que funciona na perfeição, como pode ser uma verdadeira pérola de sabedoria popular ou familiar perfeitamente inútil.
Dentro do primeiro tipo, saliento um, já não me lembro em que circunstâncias o aprendi, que era simplesmente que "os bebés são feitos para andar ao colo". Por alguma razão, essas palavras ecoaram em mim como uma epifania, e desde então, todos os meus filhos andam ao meu colo o mais que eu puder e se eu não puder, ao colo de outra pessoa. Funciona perfeitamente comigo e com os meus filhos, e fiz disso o meu mantra, o qual partilho a quem o quiser ouvir e defendo-o ferozmente nas poucas vezes em que me apanho numa discussões sobre puericultura.
Os pensamentos de segundo tipo, as tais pérolas, são tantos, que dava para escrever um livro. Destes, saliento dois, os que ainda hoje me arrependo de ter seguido e me culpo por ter feito sofrer o meu primeiro filho, mas eu não sabia melhor e quem me deu esse conselho foi TODA A MINHA FAMÍLIA (avó materna, avó paterna, sogra, mãe, pai) e todas as senhoras de proveta idade que eu conhecia e respeitava, exceptuando a minha tia materna (ver acima o comentário do primeiro tipo).
O mais infame de todos é o "deixa-o chorar, não lhe pegues para não ficar mimado". Balelas. Os bebés recém nascidos não se deixam chorar. É uma tortura para eles e para nós, recém mães, que ficamos assoladas por uma angústia enorme e com o coração e as maminhas a doer. Por causa disso, disse o médico, o meu primeiro filho ficou com uma hérnia umbilical do tamanho de uma bola de pingue pongue e anos mais tarde, teve de ser internado no hospital para ser operado, onde ficou conhecido como "o rapaz com o umbigo mais feio do mundo". Deixá-los chorar sozinhos no berço é contraproducente e contranatura e, lá está, os bebés são feitos para andar ao colo.
A segunda pérola que deu para o torto e que eu nunca mais segui foi a transição de leite para sopas e papas aos quatro meses. Compreende-se, num primeiro filho, a excitação era imensa e a curiosidade ainda maior. Mas o meu filho chorava e esperneava como se eu lhe estivesse a fazer algum mal horrível e insistir foi um erro crasso para ele, para mim e para o pai. Foi francamente traumático para mim e acho que uma série de tiques que ele ganhou na infância advêm daí. Infelizmente, a minha excitação ultrapassou o racional e eu não liguei à semântica do folheto do Centro de Saúde que dizia "Aos quatro meses, o bebé pode começar a ingerir alimentos sólidos". PODE e não TEM DE. Faz toda a diferença. Por causa disso, com os outros, comecei a prestar atenção a pequenos sinais que indicavam que o bebé estava pronto para iniciar alimentação sólida. O ter a sensação que dar de mamar não deixava o bebé tão satisfeito assim e o facto de o bebé seguir a colher com o olhar e abrir a boca foram juntos o mais evidente. Cada um deles a seu tempo e a transição correu lindamente,.
Felizmente para mim, tenho tido várias oportunidades para aprender a lidar com um recém nascido. Cada um dos meus filhos foi único desde o primeiro instante, diferente dos outros, com gostos e necessidades muito próprias. Com eles aprendi que cada um é como é e nós, enquanto pais e cuidadores, só temos de observar, respeitar e adaptar. Com esta gravidez, perguntam-me várias vezes como é que eu pretendo fazer acerca do dormir, do dar de mamar, etc, ao que eu respondo invariavelmente:
- Como o bebé quiser e eu conseguir. Simples.