24/10/2007

Biosfera particular

Ontem vieram mostrar-me um aspirador-maravilha que aspira quilos de pó de tapetes acabados de saír da lavandaria. E desinfecta o ar e aspira àcaros de colchões e lava persianas. É o verdadeiro aspirador-maravilha. Apesar de ser o sonho da minha querida sogra, fiquei a pensar para comigo mesma num pequeno facto que acabei por discutir com a minha mãe enquanto bebia um café na cozinha (o café da minha mãe é o melhor do mundo) e esperava que a electricidade voltasse para poder ver a Martha Stewart (é o meu ritual matinal: levar o Biscoito à escola e ir a casa da minha mãe beber um café e ver uma mulher a transformar um repolho murcho num jantar de cerimónia para dez pessoas).
Ah, sim, o facto é o seguinte; vivendo nós nas nossas casas, é perfeitamente natural que as queiramos limpas e sem cotão debaixo dos móveis (que eu tenho aos montes e só o aspiro quando se torna evidente que há cotão debaixo dos móveis, sim, porque eu tenho mais que fazer da minha vida do que manter a casa num brinco). Ora, se abrimos as janelas durante o dia, sobretudo se a casa for velha, as janelas de madeira descascada e vivermos junto a uma floresta tropical (com este calor quase em novembro, é para lá que caminhamos), a tarefa será inglória. Talvez para as dondocas da Quinta do Lambert (e que têm criadas que usam farda e vão às compras e cozinham, que eu sei) que nem varanda têm, mas não para mim, que tenho duas varandas e a porta da cozinha só fecha à noite, seja verão ou inverno. Bom, é que a falha entre a porta e a calha é tal, que estar a dita aberta ou não é perfeitamente indiferente. E é precisamente na varanda da cozinha que eu penduro a roupa a secar e guardo os baldes da reciclagem. Adiante.
O aspirador-maravilha continuava a maravilhar-me a cada nova demonstração das mil e uma funções da máquina fabulosa (tecnologia alemã, claro está), enquanto eu pensava cá para os meus botões - ora, se este aspirador aspira tudo e mais alguma coisa, tira-me os micróbios e os àcaros de dentro de casa. Isso é bom. Ora, com o tempo, o meu organismo desabitua-se dos tais micróbios e àcaros que o aspirador-maravilha aspirou. Isso é mau. Ora, se o meu organismo se desabitua da fauna existente na atmosfera e com a qual nós, seres humanos, coabitamos mais ou menos pacificamente desde há milhares de anos, o que será que me acontece assim que eu puser o pé fora da minha micro-atmosfera altamente higienizada?
Morro de septicémia, só pode.
É por isso que eu gosto de acampar. Dormir no meio da terra (sim, o Biscoito trata de enfiar terra e pauzinhos dentro da tenda assim que a vê a ser montada e ninguém a consegue limpar sem a desmontar) desentope-se-me o nariz e passam-me logo as renites.
Tomo duche de àgua fria e não tenho aquecimento na casa de banho. É frio mas é bom, e desde que saí de casa da minha mãezinha que não tenho uma gripe. Eu bem tento explicar à minha cara-metade que lavar as mãos e o rabiosque do Biscoito com àgua fria não lhe faz mal nenhum, mas tenho impressão que ele até aquece a àgua de lavar os dentes do miúdo. É claro que quando ele não está a ver, o Biscoito toma duche de àgua fria - só no tempo quente, calma - e anda sempre mais despido do que as avós imaginam, mas a verdade é que o meu filho é um encalorado e só tem o nariz a pingar por causa das viroses do infantário. Olha, deviam era vender um aspirador-maravilha ao infantário!
Hoje soube que o pianista do meu casamento de sonho teve um avc e está em coma. Tem 36 anos de idade e três filhas. Assim, num piscar de olhos, o mundo dessa família ficou virado ao contrário. Estava a escrever-lhe uma carta a agradecer o ambiente maravilhoso que nos proporcionou durante todo o jantar. Passei a semana toda a adiar o telefonema para perguntar a morada e enviar a carta. Agora não sei se a termine e entregue na mesma, ou a guarde e espere que ele melhore. Não sei se telefone ou envie um bilhete à mulher, não faço ideia do que se faça numa situação destas. Sei simplesmente que se ele voltar a tocar piano, será um milagre.

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